domingo, 16 de maio de 2010

Ctrl C Ctrl V de um texto bem bacana retirado do Blog Diretor de Letras

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Uma vez eu tive um amor. Bem daqueles que você imagina que vai passar o resto da vida junto, e até antecipa as concessões que pode fazer por causa dela. E você não se importa em fazê-las, porque sabe que vai ser para a melhor. Era aquele tipo de amor novo, que dava frio na barriga ao ouvir a voz ao telefone, quando toda a sua veia poética pulsa descompassadamente e você tem vontade de deixar um bilhetinho carinhoso até naquela pêra já esquecida no fundo da geladeira. E, se você também é um romântico incorrigível, sabe qual é o valor de um abraço longo, daqueles de aeroporto. Porque você não mede esforços. Você fica idiota, não tem jeito! Mas é uma idiotice que faz bem, você também sabe disso.
Então eu imaginava que seria bonito. Claro, não ficava fantasiando muito, achando que tudo seriam rosas. Não é isso. Mas eu pensava que eu teria ao meu lado uma mulher que seria a minha melhor amiga para sempre, aquela pessoa que é o seu primeiro, segundo, terceiro e até o último recurso quando alguma coisa não está correta. Quando eu tive esse amor, eu imaginava nós dois deitados na cama, cada um com seu livro, e não se ouvia mais nada do que a respiração um do outro e as páginas dos livros passando vagarosamente. De vez em quando, um comentário, uma citação, um beijo, um olhar de aprovação. Quando a gente ama, esquece as falas shakesperianas e fica só com os momentos singelos, que compõem a vida a dois. Eu também imaginava que eu seria o maior suporte que ela poderia ter na vida, tanto para aquela dieta maluca que ela queria fazer e eu aceitaria entrar para não deixá-la na mão como aquela vida de trabalho-casa-trabalho-casa que pode até soar enfadonho, mas, com meus versos e nossa dedicação, tudo ficaria mais alegre.
Eu também imaginava que acordaria em um sábado de manhã e veria a silhueta dela, já começando a fazer suas coisinhas e olhando para mim com aquela carinha de cachorro pidão falando “vamos juntos?”. Sim, não são situações heroicas, mas rotininhas bonitas que só engrandecem. Há pessoas que se pelam de medo disso que estou narrando, mas eu não. Nesses detalhes que eu sei que tudo se fortalece. Se ela tivesse algum problema, mesmo que eu não fizesse ideia do que estivesse falando, ouviria e ajudaria a pensar. Se ela tivesse a maior felicidade do mundo, quisera eu ser o culpado, ou, pelo menos, ter participado da conquista. Eu imaginava que ela poderia estar vindo e eu indo, e daí nós nos encontrávamos e faríamos uma festa enorme, nem que durasse alguns segundos até o próximo compromisso dela e o meu.
Quando eu tive um amor, eu fui correto e atencioso. Às vezes eu poderia soar muito alto, até confesso, mas eu não poderia deixar de passar uma boa oportunidade para que ela soubesse que ela era a materialização de todos os poemas do Vinícius de Moraes e como eles me afetaram. Porque eu gosto de cuidar do amor que tenho – ou tive. Para mim, ela era isso: aquela surpresa ao dobrar a esquina, aquele sonho que você gosta de se lembrar quando acorda, aquela medida perfeita em que dois abraços se encontram. Tem tudo a ver com estar em perfeito estado de consciência, quando parece que nada atinge o seu humor e você consegue encarar as adversidades porque sabe que tem alguém para contar o que fez ao final do dia. Quando se tem um amor, você ganha coragem, porque não é só por você; é por duas pessoas que estão remando para o mesmo lado.
Então, você faz as coisas do jeito que é para ser: deixa uma cartinha dentro do criado-mudo dela, leva o café-da-manhã na cama, deixa ela escolher o filme, espera ela gozar primeiro… Poxa, você sabe tão bem quanto eu que um amor que é o que você espera tem que ter todas as mordomias – e, essas, sim, não são concessões, mas carinho – porque você foi criado para não ser um canalha e sabe o que tem a perder. É andar na linha. É amar com se ama a si próprio. E, mesmo quando algo saiu dos conformes, você junta todo aquele companheirismo que moldou esse amor, toda aquela camaradagem que só cresceu e deu no que deu, e parte para cima do problema. Os dois juntos, num golpe só. Porque amar não é somente sorrisos, nós dois já bem sabemos, então, nada mais justo que segurar a mão dela bem firme e cair de cabeça na vida.
Mas, é como diz João Gilberto: o amor é a coisa mais triste quando se desfaz. Havia esse amor na minha vida. Hoje, o que sobra é uma saudade do tamanho de um universo e aquela velha curiosidade de saber se está tudo bem, se ela se alimenta direito, se ela também tem a mesma saudade e a mesma curiosidade. E isso a gente guarda para a vida toda, pois cada amor é único.

por Luiz Guilherme Amaral

2 comentários:

  1. Nossa... UFA! Precisava daquele emoti com uma gotinha de suor caindo!!!
    Profundo, intenso...
    Adorei!! :)
    bj, Camila

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